Por Samuel Feldberg
Este artigo é uma homenagem a nossos irmãos drusos, abatidos este mês pela terrível tragédia do assassinato de suas crianças em Majd El-Shams nas colinas do Golan, território conquistado da Síria em 1967 e anexado a Israel em 1981, onde vive em sua maioria uma população drusa.
Mas quem são os drusos e como chegaram à região?
Os drusos se identificam como um grupo étnico e religioso, derivado do credo xiita e oriundo do Egito, onde surgiu há aproximadamente mil anos.
Origens e história inicial
A identidade drusa surgiu no início do século XI, quando os muçulmanos já dominavam o Egito, baseada na crença messiânica em um califa local e sintetizou elementos do islamismo e da filosofia grega, criando um sistema de crença monoteísta único. E apesar de ser uma derivação do xiismo, incorpora em sua história o mesmo conceito da disputa pela sucessão entre seus líderes originais.
Um deles, Muhammad Al-Darazi, foi um dos primeiros pregadores da fé e acredita-se que o termo druso é oriundo de seu nome. Mas os próprios drusos preferem o termo "Muwahhidun", que significa "unitários" ou "aqueles que acreditam na unidade de deus".
A elaboração da doutrina da fé drusa ocorreu durante o breve período de 1017 a 1043 quando o proselitismo acabou e os drusos deixaram de reconhecer conversões à fé. Eles não permitem conversões, o casamento fora da fé drusa é raro e fortemente desencorajado e muitas práticas religiosas drusas são mantidas em segredo, até mesmo da comunidade como um todo.
Perseguida como apóstata no Egito, a comunidade drusa se espalhou para regiões montanhosas onde mais tarde surgiram a Síria, Líbano e Israel. Em suas regiões montanhosas os drusos encontraram a proteção natural que permitiu que sobrevivessem em um mundo muçulmano hostil, assim como fizeram os cristãos libaneses, preservando sua identidade e costumes.
Hoje, as maiores populações drusas são encontradas na síria, no Líbano e em Israel onde, em razão de sua condição de minoria, adotam um conceito de lealdade aos países em que residem. Este princípio, conhecido como “manutenção da aliança”, encoraja os drusos a serem cidadãos leais e a participar ativamente de suas sociedades anfitriãs, mantendo sua identidade religiosa e cultural.
Apesar do pequeno tamanho de sua comunidade, os drusos figuraram com destaque na história do oriente médio e durante as cruzadas os soldados drusos auxiliaram as forças muçulmanas, resistindo aos avanços dos cruzados na costa libanesa.
Os drusos gozavam de considerável autonomia sob o Império Otomano e frequentemente se rebelavam contra ele, protegidos do controle Otomano direto pelo terreno montanhoso das terras que habitavam.
Durante o Império Otomano uma série de poderosos senhores feudais dominou a vida política drusa, chegando a forjar uma coalizão com os cristãos maronitas das montanhas do Líbano, que desafiou a autoridade otomana.
Os drusos têm utilizado diversos instrumentos para garantir a sua sobrevivência:
1. Endogamia: o casamento dentro da comunidade é fortemente encorajado para preservar a continuidade religiosa e cultural.
2. Sigilo: muitos aspectos das crenças e práticas religiosas drusas são mantidos em segredo, conhecidos apenas por um grupo seleto de indivíduos iniciados.
3. Educação: as comunidades drusas dão grande valor à educação, tanto secular quanto religiosa, como um meio de preservar sua herança e se adaptar às sociedades modernas.
4. Coesão social: fortes laços familiares e comunitários ajudam a manter a identidade drusa através de gerações e fronteiras geográficas.
Conforme mencionado anteriormente, os drusos se concentram na região do levante.
No Líbano, onde sua população total chega a quase 300.000, os drusos exercem poder político significativo desde a independência, tendo sido instrumentais para gerar a crise política que levou à intervenção norte-americana de 1958. Kamal Jumblatt, um de seus líderes mais importantes promoveu o Líbano junto aos nacionalistas árabes e exerceu vários cargos governamentais. Foi nomeado ministro do interior graças a sua articulação com as várias comunidades do país.
Após ser assassinado em 1977, seu filho Walid assumiu a liderança política da comunidade drusa no Líbano, com uma orientação marcadamente pró-ocidental. Mas desde 2011 apoia o Hezbollah pró-síria na crise política do Líbano.
Na síria vivem mais de 700.000 drusos, a maioria vindos do Líbano no século XVIII e estabelecidos na região de Jabal Al-Durūz. Em 1925 os drusos promoveram uma revolta contra o domínio francês, engajando também os nacionalistas sírios de fora da comunidade drusa. A rebelião se estendeu até damasco antes de ser reprimida em 1927.
Outra revolta drusa tornou-se nacional e provocou a derrubada do presidente Adib Al-Shishakli em 1954 e os drusos foram membros fundadores do partido Baʿath sírio.
Parte da comunidade drusa síria ficou na área das colinas do Golan conquistadas por Israel em 1967 e anexadas em 1981, gerando um conflito identitário pela impossibilidade de vislumbrar um vínculo nacional definitivo naquela área.
Sob o regime do presidente Hafiz Al Assad, muitos drusos ocuparam cargos nas forças armadas e no governo, embora seu relacionamento com o estado tenha sido marcado por períodos de cooperação e tensão.
A guerra civil síria apresentou desafios significativos para a comunidade drusa na síria. Enquanto muitos inicialmente permaneceram neutros, ataques de grupos extremistas forçaram alguns a pegar em armas para defender suas comunidades. O conflito também levou ao aumento da migração, dispersando ainda mais a população drusa.
Também em Israel existe uma respeitável comunidade drusa — cerca de 140.000, que habita o norte do país. Os drusos são os únicos entre as comunidades árabes em Israel totalmente leais ao estado. Algumas parcelas da população árabe cristã e dos beduínos servem nas forças armadas e na polícia, mas o engajamento dos drusos é a regra.
Ao contrário de outras comunidades árabes, eles estão sujeitos ao serviço militar obrigatório nas forças armadas de Israel. Este arranjo, iniciado em 1956, levou a um alto nível de integração na sociedade israelense, com muitos drusos servindo em altos cargos militares e governamentais (não estão incluídos os drusos que vivem nas colinas do Golan anexadas por Israel, que têm direito legal à cidadania síria ou israelense dos quais 85% ainda se consideram cidadãos da síria).
O vínculo com o projeto sionista surge durante o mandato britânico na palestina, depois que a liderança sunita em Jerusalém ameaçou, em 1942, assumir o controle do túmulo de Jetro em Tiberíades (considerado pelos drusos como seu local mais sagrado) e se consolida com o apoio dos drusos às forças judaicas na guerra de 1948.
Soldados drusos lutaram por Israel em todas as guerras árabe-israelenses e participam da segurança da fronteira e do corpo diplomático de israel. Fares Saeb e Reda Mansour são exemplos desta participação, ambos diplomatas israelenses que representaram o país no Brasil.
Fares Saeb e Gadeer Mreeh
Uma das ex-parlamentares drusas na Knesset, Gadeer Mreeh, é hoje a representante da agencia judaica em Washington, a primeira vez que um não-judeu ocupa o cargo.
Mas nem tudo são rosas.
A recente tragédia em Majd Al-Shams, uma cidade drusa nas colinas do Golan ocupadas por Israel, onde 12 crianças foram mortas, trouxe atenção renovada à comunidade drusa e aos desafios que eles enfrentam. Ficaram evidentes os fortes laços comunitários dos drusos demonstrados pelo apoio e manifestações de luto das comunidades drusas em Israel e através das fronteiras.
No passado recente, outro foco de tensão com o governo foi a proposta de instalação no Golan de uma série de turbinas eólicas para geração de energia elétrica, com enorme impacto ambiental.
E em julho de 2018, quando o parlamento israelense promulgou uma lei com peso constitucional que consagrou Israel como um estado judeu, os drusos lideraram a reação; eles alegaram que a lei os tornava cidadãos de segunda classe e era uma traição à sua dedicação e lealdade. Não só foi negado o conceito da equiparação entre os cidadãos, o árabe também deixou de ter o mesmo status que o hebraico como idioma oficial.
A lei "Israel como estado-nação do povo judeu", também conhecida como lei do estado-nação, teve impactos significativos na comunidade drusa em Israel. Esta lei tem sido controversa devido às suas implicações para minorias não judias, especialmente os drusos.
A lei, que define Israel como o estado-nação do povo judeu, levantou preocupações entre os drusos sobre seu status como cidadãos israelenses.
A lei também rebaixou o árabe de uma língua oficial para uma com "status especial". Esta mudança preocupou a comunidade drusa sobre a potencial erosão de seus direitos linguísticos e identidade cultural. Muitos drusos se sentiram traídos pela lei, pois há muito tempo se viam como cidadãos iguais que se sacrificaram pelo país. Houve protestos públicos inclusive com a renúncia a cargos e postos oficiais.
Em resposta às preocupações dos drusos, houve discussões sobre possíveis emendas à lei ou legislação adicional para abordar o status das comunidades minoritárias. No entanto, até agora, nenhuma mudança significativa foi feita.
Mas talvez o mais importante seja o fato de os drusos viverem em Israel com maior segurança, integração e respeito que em qualquer outro país da região e reconhecerem o valor desta relação.
Samuel Feldberg é diretor acadêmico do StandWithUs Brasil, doutor em Ciência Política pela USP, professor de Relações Internacionais, Pesquisador do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv e fellow em Israel Studies da Universidade de Brandeis.
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